Translate

Deixe seu comentário




Se possível, deixe nos comentários notícias ou acontecimentos de seu país.

Ou se preferir envie uma e-mail para: jornal.correiodosertao@gmail.com

Você vale muito para nós!!!



sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A VISITA A CAMPO FORMOSO DO HOMEM QUE MATOU EUCLIDES DA CUNHA

Oleone Coelho Fontes

Rememora-se, neste ano de 2009, o centenário da morte de um dos mais importantes vultos da historiografia literária do Brasil, de fama reconhecida em várias partes do mundo: Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha.
Tinha na época o escritor, autor da primeira obra clássica da cultura literária nacional – Os Sertões –, apenas 43 anos de vida. Sua morte extemporânea privou-nos de conhecer um projeto literário que incluía a construção de um ensaio cujo palco seria a Amazônia. O trabalho, anunciado pelo próprio Euclides, ficou reduzido ao titulo: Um Paraíso Perdido.
Mas não só de mais um ensaio que teria ou não a dimensão de Os Sertões privou-nos a morte extemporânea de Euclides. Seu propósito, como homem de letras, abrangia a redação de uma biografia de Duque de Caxias, uma História da Revolução Federalista, um romance, Homens Bons, e um livro de poesia, Ondas. Este recentemente editado.
Todo este plano foi dissipado com um tiro de revólver, disparado pelas costas contra um homem já ferido e que batia em retirada. O ato teve lugar num domingo frio e chuvoso: 12 de agosto de 1909, no bairro Piedade, Rio de Janeiro.

AMAZÔNIA
Esteve Euclides afastado da família de agosto de 1904 a janeiro de 1906. O governo o credenciara para chefiar a Comissão Diplomática Brasileiro-Peruana que visava estabelecer os verdadeiros limites geográficos entre os dois países.
O casal Euclides/Ana Emilia já vivia, nessa época, em clima desarmonia. A separação poderia, porventura, conduzir marido e mulher ao entendimento dos primeiros anos matrimonias.
Foi pior.
Na ausência do marido, Saninha (apelido de Ana Emília Ribeiro da Cunha), conheceu um cadete do Exército, Dilermano Cândido de Assis, de 17 anos, por quem loucamente se apaixonou. A recíproca foi verdadeira;
Poucos dias após desembarcar no Rio, de volta da Amazônia, notou Euclides que a esposa estava grávida do quinto filho. Nasceu Mauro. Das duas uma: ou o menino viera ao mundo após dezoito meses de gestação, ou com apenas seis de gravidez. A criança viveria apenas sete dias.
Certo de não ser o pai, Euclides, não querendo desestruturar a família, tolerou a desonra. Continuou a viver com a mulher e esta permaneceu amante do jovem e guapo militar. Ela com 32. Ele com menos de vinte.
Em 1907, Saninha dá à luz outra criança. Semelhava o finado Mauro, de pele alva e olhos claros. Discrepava dos verdadeiros filhos de Euclides, de pele moreno-escura, olhos negros, cabelos lisos, escorridos. Motejou: o recém-nascido era “uma espiga de milho no meio de um cafezal.”



CONFRONTO DE HONRA
Num domingo de mau agouro Euclides, armado de revólver, decidiu ir a casa onde morava o amante de sua esposa, no bairro Piedade, Rio. Ela ali se homiziara desde a véspera. Ou trazia a mulher de volta ou lá deixaria a vida.
Humilhado e constrangido no centro de escândalo já do conhecimento da sociedade carioca, melhor morrer, levar para outro mundo a dignidade. O assassinato de Euclides pode, pois, ser admitido como um “suicídio ético”. Talvez assim o desejasse o homem de rígidos princípios.
Euclides pereceu. O homem que o matou agiu em legítima defesa e foi absolvido. Casou-se com Saninha, viúva de vulto ilustre que construíra Os Sertões. Sete anos mais tarde, o mesmo Dilermano Cândido de Assis, em legítima defesa, assassinava Euclides da Cunha Filho, o Quidinho.
Novo julgamento. Nova absolvição.

NA CAPITAL DOS CRISTAIS
Em 1947 o general Cândido de Assis visitou Campo Formoso, na Bahia. Foi sabatinado por Paulo Martins Fontes (1915-1968), pai do autor deste texto, Armindo Simões de Oliveira (1904-1992), médico, conhecido por doutor Mindu, Domingos Dantas, advogado, Ulisses Gonçalves da Silva (1896-1999), político, bacharel em direito, casado com Araguacy Fonseca Gonçalves da Silva (em 2009 com 94 anos), Anibal de Oliveira Vieira, Manoel Marcelino da Silva (1897-2000), pai do criminalista Thomas Bacellar, Floriano Régis...
Qual o objetivo da viagem? Dilermano era, em 1947, na administração do governador Ademar de Barros, diretor do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo. Chegou a Campo Formoso levado pelo empresário José Lacerda, compadre de Ulisses Gonçalves da Silva. Dilermano, segundo Araguacy, fora conhecer minas de ametista. José Lacerda tencionava comprar mineração de cobre existente no povoado Caraíba, propriedade dos Gonçalves.

COITO COM O JARDINEIRO
Araguacy Fonseca Gonçalves da Silva, viúva de Ulisses Gonçalves da Silva, foi anfitriã do célebre general. Professora aposentada, ex-vereadora em Campo Formoso, ex-prefeita do vizinho município de Antônio Gonçalves (outrora Vila de Itinga da Serra, topônimo mudado por sua interferência), ex-deputada estadual, nasceu em Senhor do Bonfim, em 1915. Casou-se com Ulisses em 1940 e o enlace durou praticamente seis décadas. O casal é pai de três filhos: José Joaquim, César e Uliara.
Visitamos a ex-parlamentar – o autor deste texto e os médicos Renatinho Jaime Almeida Souza Filho e Iuri Oliveira Andrade – no dia 12 de junho de 2007, na fazenda Morros.
Araguacy divide sua viuvez com temporadas em Senhor do Bonfim e na aludida fazenda, numa região montanhosa, cerca de trinta quilômetros da sede do município de Campo Formoso. A sede da fazenda é um casarão colonial com telhado de muitos metros de altura, portas senhoriais, piso de madeira de lei, amplos cômodos, ar bucólico e salutar.
Na companhia de Araguacy – amizade que cultivo há mais de meio século –, passamos parte da tarde durante a qual discorremos sobre a estada, no município, do oficial do Exército que executou Euclides da Cunha.
Nossa entrevistada lembrava-se bem da corporatura de homem forte, inteligente, simpático, bom de prosa e de garfo, que fora seu hóspede no período de pouco mais de setenta e duas horas.
A memória da entrevistada, todavia, não registrou a data de 1947. Comprova-a correspondência enviada de Campo Formoso a Dilermano, datada de 30 de maio daquele ano, assinada pelo advogado Domingos Dantas. A correspondência foi transcrita às páginas 649\650, do livro A Tragédia da Piedade, da autoria do general Dilermano Cândido de Assis, em volume oferecido ao Dr. Dantas com dedicatória do próprio punho do autor. Reza: “Ao beletrista amigo, Domingos Dantas, recordação do admirador DC Assis. S. Paulo 1º, XI, 51.” O volume me chegou através do criminalista Thomas Bacellar, proprietário de uma cópia xerox.
Lembrou a entrevistada do único incidente: Dilermano sofreu pequena indigestão estomacal, curada com chás de pau-de-rato. A despeito de não se ter referido ao trágico episódio na presença de Araguacy, com Ulisses Dilermano foi franco e expansivo sobre a morte do insigne homem de letras. A separação de Saninha se dera (segredou) em decorrência de a adúltera por índole o haver traído com o homem encarregado de cuidar do jardim da família.
Dilermano Cândido de Assis, ao morrer em 1952, depois de escrever A Tragédia da Piedade, Mentiras e Calúnias da “vida dramática de Euclides da Cunha,” levou para o túmulo um peso adicional: fora traído pela traidora que o levara a matar um traído.
Conheci e me tornei amigo do advogado Domingos Dantas, há mais de uma dezena de anos falecido, nascido em Andaraí, porém radicado na cidade de Campo Formoso em cuja residência estive inúmera vezes. Doutor Dantas era proprietário de uma grande biblioteca, considerada um dos maiores acervos bibliográficos particulares existentes numa cidade interiorana. Redigi várias crônicas e uma reportagem especial, veiculadas em A Tarde, sobre o incorrigível bibliófilo a quem eu tratava por o “anacoreta de Campo Formoso”.
Domingos Dantas construiu uma ótima camaradagem com o general Dilermano de Assis. Prova-o correspondência enviada ao célebre militar, transcrita em sua obra A Tragédia da Piedade. Eis a carta:

Campo Formoso – Bahia – 30-5-47.

Ilmo. Sr.
Cel. Dilermano de Assis.
Rio.
Ilustre patrício e amigo.
Em meu poder sua prezada carta de 1º de maio à qual respondo. Muito me honraram as palavras da sua carta a propósito das referências por mim feitas sobre o livro “Um nome, uma vida, uma obra” que a munificência do seu coração se dignou em me oferecer, cordialmente, um exemplar.
O livro feito em colaboração com Ângelo Cibala está sendo muito anunciado pelos jornais e rádios de Salvador.
Depois de lido por mim e por vários amigos, estou devolvendo os recortes dos jornais que o ilustre amigo se dignou em me enviar.
Recebi recortes de S. Paulo referentes à morte do grande Belmonte. Não sei a quem devo agradecer: se ao ilustre amigo ou ao bom amigo Dr. Lacerda, pois não sei quem m’os enviou.
As suas noticias, meu ilustre Coronel, eu as receberei com imensa satisfação.
Queira aceitar o abraço amigo ao irmão.
Domingos Dantas





___________________________________________________________________________________
Oleone Coelho Fontes, escritor, historiador, jornalista estudioso de temas sertanejos é autor, entre outras, das obras: Lampião na Bahia, O Treme-Terra, Cristais em Chamas, A Quinta Expedição, Rua Chile, Confissões de um Proxeneta. Anuncia Cansanção Sertão, Bahia, Euclides da Cunha e a Bahia e Tangos e Boleros pelo Brasil a fora.